Filhotes: do nascimento a vacinação!

Faz algum tempo que venho pensando no que escrever sobre o assunto "Primovacinação" e me lembrei que eu não poderia falar desse assunto sem antes falar do que é mais importante para a vida de um filhote.

Na postagem sobre os "25 motivos para você não ter um Bulldog Francês" quase todos os tópicos falam sobre temperamento. Poucas pessoas entenderam o motivo de ter tantos "motivos" para não ter um frenchie, mas em resumo é para tentar diminuir o abandono de cães pela falta de informação. Um dos maiores motivos do abandono de cães de raça esta relacionado a problemas de comportamento, e é aí que deveria entrar a figura do criador de cães, que é bem diferente de um comerciante.

Você já ouviu falar em "Imprinting canino"?

O Imprinting canino é o desenvolvimento social de um filhote dentro de sua matilha. É a primeira fase da vida de um filhote onde ele aprende com os seus irmãos e a mãe comportamentos sociais e psicológicos da sua espécie. Essa fase nos cães ocorre entre o primeiro e o quarto mês de vida e será fundamental para que um cão aprenda a ser cão!
Durante essa fase retirar um filhote de sua pequena matilha irá trazer problemas sociais no futuro.

Muitos criadores separam os filhotes da mãe ainda cedo, dizendo que estão fazendo o desmame. Mas o desmame não é separar a mãe, e sim iniciar com alimentação sólida ou úmida deixando que os filhotes continuem junto da mãe, e é ela quem determina se eles podem ou não mamar. Aquelas mordidas e rosnadas fazem parte do aprendizado. E pela má interpretação no comportamento dos cães, os filhotes são afastados da mãe tão cedo, e logo em seguida separados da ninhada, alguns com 60 dias, outros com 45, e as vezes com bem menos do que isso.

Não se trata somente de um problema de identificação de comportamento ou de falta de informação, mas depois dos 60 dias os custos e o trabalho com uma ninhada são maiores e isso inclui: vermífugos, vacinação, alimentação e limpeza. Mas esses custos deveriam estar incluídos no valor de um filhote, e quem escolhe a criação de cães deveria se importar não somente com o padrão estrutural da raça criada, mas principalmente com saúde e temperamento.

Do nascimento

Quando um filhote nasce, ele sai do útero da mãe um ambiente estéril para um ambiente onde ele estará exposto a milhares de microrganismos. O sistema imune leva algum tempo para se tornar funcional e vai depender da estimulação antigênica. De uma forma mais simples, após o nascimento e para sobreviver nessas primeiras semanas de vida, os filhotes precisam estar imunes e é através do leite materno que recebem a transferência de imunidade.

A importância do colostro

Os filhotes de cães nascem com uma porcentagem muito baixa de anticorpos maternos e após o nascimento eles adquirem os anticorpos através do colostro, é a chamada imunidade passiva. O colostro é rico em imunoglobulinas e o intestino dos filhotes, durante um período médio de 6 horas após o nascimento, tem a capacidade de absorver essas imunoglobulinas que alcançam a corrente sanguínea, assim os filhotes obtêm os anticorpos necessários para sobreviver nessas primeiras semanas.
É de extrema importância que o filhote após o nascimento mame na mãe imediatamente!

Esses anticorpos maternos adquiridos através do colostro tendem a diminuir e é aí que o filhote se torna susceptível as doenças infectocontagiosas.

A primeira vacina

A vacinação é a imunidade ativa, a escolha entre a 6ª a 9ª semana (45 a 60 dias) para a primeira vacina é pela diminuição dos anticorpos maternos e é a idade minima para que se obtenha uma expectativa razoável de sucesso.

Essa vacina não pode ser única e nem definitiva!

A primeira vacina deve ser aplicada em filhotes saudáveis e devidamente vermifugados.
Uma pergunta fundamental que deve ser feita pelo medico veterinário: "qual protocolo de vermifugação foi feito?"
Uma única dose não será o suficiente para que o filhote esteja livre de parasitas intestinais. Apesar de em muitos vermífugos vir escrito que são dose única, os diferentes parasitos não respondem da mesma forma, sendo necessário o tratamento por um período maior.

As clínicas veterinárias são ambientes muito sépticos e é importante que o médico veterinário seja chamado a residência do filhote.

A segunda e a terceira dose de vacina

A segunda dose de vacina pode ser a plicada em um intervalo de 21 a 28 dias após a primeira dose, isso porque os níveis de anticorpos ativos na primeira aplicação tendem a cair e a segunda aplicação será um reforço da primeira dose.

A terceira dose é aplicada pois é possível que no dia em que foi aplicada a primeira dose da vacina alguns dos filhotes apresentem um nível de anticorpos maternos elevado, o que poderia levar a uma falha da primeira dose da vacina por reação dos anticorpos maternos agindo contra os antígenos vacinais. Entenda o que acontece através de um gráfico mostrando a Janela Imunológica:

O intervalo entre a segunda e a terceira dose também é entre 21 a 28 dias para vacinas idôneas (Esse intervalo é proposto pelos fabricantes, mas alguns artigos propõem o intervalo de 30 dias).
 

Mas e a quarta dose???

Certamente alguns de vocês já ouviram falar sobre a quarta dose.
Segundo uma palestra que assisti da empresa Merial (não me recordo o nome da palestrante), a quarta dose é indicada para filhotes que terminam as 3 doses antes dos 90 dias de idade.

Não quero criar polêmica, mais alguns defendem o uso das quatro doses enquanto outros a criticam. Depois de ler sobre os "Tipos de vacina" e as "Falhas vacinais", vocês poderão entender se há necessidade da quarta dose.

Tipos de vacinas

Eu irei falar somente sobre as vacinas idôneas.

Existem vacinas comercializadas em balcão de casas agropecuárias e que erroneamente são aplicadas por funcionários e não por médicos veterinários (em breve isso irá mudar! Yes!!!). A eficácia dessas vacinas não deveria ser questionada, afinal se estão sendo comercializadas se espera que tenham sido devidamente testadas. O problema é a capacidade de estocagem e manuseio na temperatura correta, preparo para a aplicação, e a falta do exame clínico do medico veterinário para avaliar se o filhote esta saudável, desverminado e apto a ser vacinado.

E qual é a melhor vacina para o meu filhote?

• V2 - imuniza os cães contra a cinomose e a parvovirose. São as doenças mais importantes para a primeira fase e são as vacinas que apresentam menor reações pós- vacinais.
• V6 - protege os cães contra cinomose, parvovirose, coronavirose, parainfluenza, adenovirose e hepatite infecciosa canina. Não contem a fração Leptospira apresentando menor risco de reações pós- vacinais.
• V8 - imuniza os cães contra a cinomose, parvovirose, coronavirose, parainfluenza, adenovirose,  hepatite infecciosa canina, leptospirose canina (ou seja, contem imunização contra todas as doenças da V6 mais dois sorovares de leptospirose)
• V10 - imuniza os cães contra a cinomose, parvovirose, coronavirose, parainfluenza, adenovirose,  hepatite infecciosa canina, leptospirose canina (contendo 4 sorovares de leptospirose) 

Dê preferência as vacinas que contenha menor fração de leptospira, as reações vacinais são menores.
Não pense nunca que esta protegendo mais o seu filhote por 10 ser maior do que 8 (Já ouvi muito isso).
A V2 é indicada caso o filhote tenha idade inferior a 45 dias e esteja em ambiente de risco ou não recebeu o colostro por qualquer motivo.
A V6 e a V8 são as mais indicadas para os filhotes com mais de 45 dias.
Existe uma vacina especifica contendo os 4 sorovares de leptospira, mas elas são indicadas para cães que vivem em áreas com alto desafio imunológico.

Mas e as outras vacinas?

Das essenciais apenas a antirrábica, que deve ser aplicada após os 4 meses de idade. Se possível evite que seu filhote seja vacinado com duas vacinas no mesmo dia, caso ele tenha uma reação vacinal dificilmente você saberá por qual delas ele reagiu negativamente. 

Atualmente no Brasil esta tendo casos de leishmaniose visceral canina por quase todas as regiões e também em estados onde não se tinham casos confirmados. Considero essa uma vacina importante e irei falar sobre a doença em outra postagem. 

É importante lembrar que o excesso de vacinas é prejudicial a saúde dos cães!!!

Falhas Vacinais

Levando-se em conta que a a escolha da vacina foi feita e que é de laboratórios confiáveis, as maiores falhas vacinais são:

• animais fortemente parasitados
• animais desnutridos
• animais já contaminados
• estresse em geral
• extremos de frio e calor (estresse)

 Dúvidas???

Bom, depois de explicar a imunidade passiva e a imunidade ativa e os tipos de vacina... vamos voltar a primeira parte do texto em que iniciei falando sobre o "Imprinting canino". Um dos fatores que influenciam na falha de respostas vacinais é o estresse, e o maior estresse para um filhote é a mudança de ambiente.

Se não foi feito imprinting canino no seu filhote, ele provavelmente deve ter sido separado da mãe e dos irmãos com menos de 90 dias, e foi entregue a seus novos proprietários antes de terminar a primovacinação. É por isso que muitos filhotes mesmo estando vacinados ainda assim podem apresentar doenças infectocontagiosas por falhas vacinais.

Voltando ao assunto da quarta dose... se o filhote foi devidamente vacinado ainda na casa do criador e foi entregue a você com três doses de vacina tendo mais de 90 dias, esse filhote tem necessidade de receber a quarta dose? Se o veterinário e o criador fizeram tudo certo ele não precisa de quarta dose.

E aquele seu filhote recebido com 50 dias (ou um pouco mais), e uma dose de vacina? Eu ignoraria essa primeira dose, ela poderá ter perdido a eficácia no momento que o filhote passou por todo o estresse da mudança de ambiente, e o "Imprinting canino"? Esse filhote não irá saber o que é isso e te dará dor de cabeça, chame o veterinário na sua casa para dar continuidade as vacinas e não saia de casa com seu filhote mal imunizado.

E se eu resgatar um cão adulto, tratar dele, fazer todos os exames e saber que ele não tem doença infectocontagiosa, como deverá ser feita essa vacinação? Se tratando de um cão adulto com histórico desconhecido mas saudável e apto a ser vacinado, ele não tem anticorpos maternos então ele precisaria receber duas doses de vacina, nos mesmos intervalos descritos e posteriormente a vacina anti-rábica.

Deu pra imaginar o quanto é arriscado receber um filhote em casa com menos de 90 dias???
Será um filhote que ainda não esta devidamente imunizado, que não foi socializado com os seus parentes, e que poderá te trazer muita dor de cabeça em um futuro bem próximo.

Sei que muitos criadores liberam os filhotes aos 60 dias por fatores óbvios já citados, vacina, vermifugo e alimentação são caros. E durante essa fase dos 60 aos 90 e poucos dias, os filhotes são terríveis, sujam tudo, se mordem e necessitam ser socializados com pessoas de diferentes faixas etárias, e tudo isso da trabalho. E infelizmente a grande maioria quer se livrar dos filhotes aos 60 dias, verdade seja dita!

Com essas informações cabe a você decidir com que idade pegar o seu filhote e perguntar ao criador se ele sabe sobre o Imprinting canino, quais protocolos de vermifugação e vacinação são feitos e conversar com o seu veterinário ou com o veterinário responsável pelo canil.

Saber sobre os pais do seu filhote, as condições que vivem, se são cães saudáveis, o temperamento desses cães e a idade da mãe (muito importante pois fêmeas filhotes e jovens são acasaladas quando ainda nem terminaram de desenvolver seu potencial genético).
 
É importante lembrar que não existe "vida de canil" e sim "existem vidas em um canil" e que devem ser respeitadas e amadas antes de tudo! Se você colabora comprando um filhote de pais que tenham uma vida infeliz, que não são bem cuidados, que não são respeitados e muito menos amados, você não faz parte da solução e sim parte de um problema... Você também colabora com os maus tratos e o pior, financia os absurdos cometidos contra os cães e pelas criações "Fundo de Quintal"!

Queira sempre o melhor para você e a sua família, seu cão será membro dela durante muitos anos!

Gostaria de agradecer ao meu professor de Imunologia Marcelo Renan de Deus Santos, seus conhecimentos foram a minha melhor base para desenvolver esse texto. Obrigada Professor!


Referência:
- TIZARD, IAN, R Imunologia Veterinária: uma introdução. 8ª edição São Paulo, SP: Editora Elsevier, 2009